As fortes chuvas que caíram durante o carnaval de 2023 no litoral norte de São Paulo deixaram pelo menos 65 pessoas mortas e mais de 4 mil desabrigadas ou desalojadas. Muitas dessas pessoas perderam tudo o que tinham, fruto de uma vida de trabalho e não sabem se conseguirão algum dia voltar para as suas casas e ainda menos como farão para recuperar tudo o que a chuva destruiu. As tristes cenas de inundações e desabamentos, que se repetem no Brasil a cada verão, ganharam contornos ainda mais dramáticos este ano com a informação fornecida pelo Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres (Cemaden), de que o acumulado de 682 mm em 24 horas que caiu em Bertioga (SP) foi o maior volume de chuva já registrado no Brasil, superando a última tragédia em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, que teve um acumulado de 530 mm em 2022.
A série histórica dos registros meteorológicos mostra que as tempestades ficaram muito mais fortes e frequentes nos últimos anos aqui no Brasil. Desde outubro de 2021 foram registrados 11 desastres causados por temporais no país, com quase 500 mortos em enchentes ou deslizamentos, de acordo com o Cemaden (sem contabilizar as vítimas do mais novo desastre, no litoral de SP). Sem dúvida, esta é uma questão que precisa ser endereçada com urgência, como deixa claro um outro número do centro de previsão e monitoramento, o de que existem, hoje, aproximadamente 40 mil áreas de risco mapeadas no país, onde vivem mais de 10 milhões de pessoas.
Essas condições geológicas e sociais têm que ser levadas em conta e receber atenção do poder público, quando da realização do planejamento urbano, sobretudo se as áreas vulneráveis costumam ser ocupadas sem nenhuma fiscalização.
Precisamos parar de culpar a natureza e agir
No entanto, apesar desses números alarmantes, até o momento não temos uma política pública capaz de reduzir o risco de novas tragédias e fatalidades. Ainda segundo o Cemaden, o governo do estado de São Paulo e a prefeitura de São Sebastião foram avisados com dois dias de antecedência sobre o risco de desastre na cidade por conta de fortes temporais. O alerta citava nominalmente a Vila do Sahy, onde mais de 30 pessoas morreram. Apesar disso, moradores relatam que não foram alertados pela Defesa Civil e que não houve nenhum pedido para que deixassem suas casas. Especialistas afirmam que as mensagens não são explicativas o suficiente e que a população não sabe exatamente como reagir, pois não recebeu o treinamento adequado.
É preciso parar de culpar a natureza e enfrentar o problema. Políticas públicas efetivas podem sim evitar os cenários mais graves e minimizar o impacto dos chamados desastres naturais, que muitas vezes são na verdade desastres sociais. Com a crise climática, se faz necessário implementar para ontem um modelo de desenvolvimento sustentável com políticas de redução de risco, adaptação e transição energética justa.
A crise do clima e os fenômenos naturais mais intensos
Com a intensificação do aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas que o fenômeno provoca, como, por exemplo, essas chuvas mais intensas e frequentes, é urgente investir em medidas de mitigação e de adaptação. Na agenda de mitigação, ou seja, de redução da concentração atmosférica dos gases de efeito estufa (GEE) – os responsáveis por esse aquecimento médio mais intenso da Terra – estão pautas de redução de emissões (objetivo principal do Protocolo de Kioto – 1997), como a da transição energética para um modelo mais limpo de baixo carbono, e também de captura de carbono, como a do reflorestamento e regeneração de ecossistemas como florestas e mangues.
Pelo lado da agenda de adaptação, é preciso criar e colocar em prática planos de adequação aos efeitos adversos do clima que já nos atingem hoje, e só devem se intensificar. É preciso consolidar uma agenda de resiliência climática aumentando a capacidade de previsão, prevenção e resposta a estes fenômenos. A longo prazo, os governos devem investir em moradias dignas e adequadas para retirar as pessoas que hoje, em sua maioria por falta de perspectiva e de opção, vivem em áreas de risco.
Em um prazo mais curto, educação e treinamento da população, monitoramento de chuvas, avaliação frequente das encostas, sistemas de alerta por sirenes, rotas de evacuação bem sinalizadas e definição de locais seguros para onde as pessoas possam se deslocar durante estes eventos já se mostraram ferramentas valiosas em outras partes do mundo. E nos adaptarmos a este planeta mais quente e intempestivo também passa por investimentos em obras de drenagem e de saneamento e em ações de reflorestamento nas encostas – o que une as agendas de adaptação e de mitigação, uma vez que as raízes das árvores ajudam a conter a erosão do solo e, consequentemente, os deslizamentos, e as folhas fazem fotossíntese, absorvendo carbono da atmosfera.
O papel da energia solar
Outra aliada nesta batalha contra a crise climática que une as agendas de mitigação e adaptação é a geração de energia solar. Pelo lado da mitigação, a energia solar é uma fonte renovável que permite a redução das emissões de gases estufa da geração de energia no país. No Brasil, com o agravamento dos períodos de seca (um dos muitos reflexos das mudanças climáticas e seus fenômenos climáticos extremos) e com a nossa forte dependência de hidrelétricas, vemos a cada ano que passa o acionamento de usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis e poluentes se intensificar, gerando um ciclo vicioso, e perigoso. A energia solar reduz nossa dependência da energia hidrelétrica e diversifica a matriz elétrica do país com uma fonte abundante e limpa.
Pelo lado da adaptação, a geração solar distribuída, aquela que acontece perto de onde as pessoas consomem energia, contribui com a resiliência climática, isto é, com a capacidade de reação da comunidade em um momento de estresse por conta de fenômenos climáticos, principalmente naquelas localidades mais afastadas dos centros urbanos.
Com as temperaturas médias cada vez mais altas, aumenta a necessidade de fornecer conforto térmico para as pessoas nos dias mais quentes, reduzindo os impactos na saúde e no bem estar da população. Só que elevar o uso de ventilador, ar condicionado e geladeira aumenta a conta de luz no final do mês. Com a possibilidade de gerar a própria energia, em sistemas on-grid (conectados à rede elétrica), as pessoas podem injetar energia na rede elétrica e receber descontos, gerando um alívio no orçamento de casa e reduzindo a dependência das concessionárias de energia elétrica, que muitas vezes cobram tarifas elevadas.
Em sistemas off-grid (desconectados da rede elétrica), ou híbridos, é possível ainda gerar energia solar utilizando sistemas de armazenamento, como as baterias. Este tipo de sistema é mais adequado para áreas remotas e para o meio rural, como aldeias indígenas, quilombos, onde a rede elétrica não chega. Essa modalidade possibilita outra forma de adaptação climática, dado que eventos extremos podem gerar cortes no fornecimento oficial com a queda de galhos e de árvores na rede elétrica (como aconteceu no litoral norte de SP). O uso de baterias permite uma descentralização do sistema, tornando o fornecimento de energia mais resiliente em situações de emergência e de interrupção.
A Revolusolar, com seu propósito de promover o desenvolvimento sustentável de territórios vulneráveis por meio da energia solar, está alinhada com a busca de soluções de adaptação climática levando em consideração aspectos sociais, econômicos e tecnológicos. Por isso, estamos sempre buscando conversas com os governos municipais, estaduais e federal para sugerir formas de incluir a geração solar distribuída em programas de habitação e nas comunidades. Os objetivos incluem uma melhor qualidade de vida, economia nas despesas de energia e maior resiliência climática para as populações mais vulneráveis. Acreditamos que é possível desenvolver políticas públicas que assumam de forma efetiva a responsabilidade de enfrentamento da crise do clima trazendo mais dignidade e segurança para aqueles que hoje ainda vivem em áreas de risco.